Relevância Cultural:          

a caminho da transformação

(série valores)

Como cristãos queremos ser fiéis ao Evangelho, mas também sensíveis às necessidades das pessoas que buscamos alcançar. Semelhantemente, como professores, sabemos que temos a missão de ensinar, de passar o conteúdo determinado e desenvolver as habilidades e competências dos educandos. Também sabemos que ensinar é muito mais do que “transmitir conhecimento”, pois não podemos negligenciar a pessoa e a realidade de quem ensinamos. Como diz o ditado “ensine os estudantes, não o livro”. Vejo uma sobreposição entre o que queremos alcançar como cristãos e professores, pois a tensão evangelho-necessidades experimentada por cristãos é muito semelhante à tensão conteúdo-estudante experimentada por professores. Portanto, se somos professores cristãos será útil explorarmos essa questão do ponto de vista missiológico e pedagógico.

Em termos missiológicos, geralmente explora-se essa tensão através da “contextualização.” Um dos melhores exemplos bíblicos disso vem da visita do Apóstolo Paulo a Atenas (At 17:16–34), onde lemos que Paulo ficou indignado com a idolatria politeísta da cultura greco-romana, e resolveu tomar uma atitude. Ele não agrediu as pessoas, mas validou a busca espiritual dos atenienses ainda que suas respostas fossem equivocadas. Paulo não usou versículos bíblicos (o que não faria sentido para seus ouvintes), mas sim vozes da própria cultura e argumentos lógicos para criticá-la respeitosamente. Ao mesmo tempo, Paulo, de forma indireta e convidativa, fala da necessidade de arrependimento e das consequências de se viver sem considerar o Criador e Suas diretrizes: sofrer o juízo.

O missiólogo Andrew Walls extrai dois princípios fundamentais dessa tensão. Primeiro, temos o “princípio da indigenização”, que tem a ver com a adaptação de práticas, valores, ensinamentos a um povo ou cultura. O Evangelho não apenas precisa fazer sentido para cultura que se quer alcançar, mas também trazer aquela sensação de pertencimento, de que finalmente estamos em casa, de que aqui é o meu lugar. Essa noção vem do próprio Evangelho, que diz que Deus nos aceita como nós somos, e grande parte do que somos vem da nossa herança cultural. Deus não apenas nos aceita como indivíduos, mas como brasileiros, africanos, europeus ou asiáticos. O próprio Cristo se adaptou a cultura humana por ocasião da sua encarnação, portanto não precisamos deixar de ser brasileiros para sermos cristãos.

Contudo, também temos o “princípio da peregrinação”. Deus nos ama tanto que nos aceita como somos, mas seu amor não deixa ficar como somos. Ele quer nos transformar em quem Ele quer que nós sejamos, pois, só assim seremos atingiremos nosso pleno potencial e experimentaremos um senso legítimo de realização pessoal. Além dos dar a sensação de aceitação e pertencimento, o Evangelho nos lança em uma caminhada de transformação que inevitavelmente vai questionar a nossa cultura e nosso papel nela. Existem coisas na nossa herança familiar, na nossa brasilidade, nas nossas idiossincrasias que não condizem com o caráter de Deus. Se por um lado não precisamos deixar de ser brasileiros para sermos cristãos, o Evangelho quer transformar não apenas os brasileiros, mas a própria brasilidade.

Em termos pedagógicos, como educadores cristãos queremos escolher e desenvolver práticas educacionais que estão em harmonia com as nossas crenças e valores, mas também reconhecemos que essas coisas não são os únicos fatores que determinam o ato de ensinar. Existem outros fatores significativos como as diretrizes do governo, o projeto político pedagógico da escola, a situação socioeconômica dos estudantes, bem como contexto cultural mais amplo em que vivemos. Aplicar o princípio da indigenização a nossa prática em sala de aula significa que

  • aceitamos nossos estudantes como são (e não como deveriam ser), com seus vícios e virtudes, defeitos e qualidades, problemas e contribuições;
  • valorizamos o conhecimento prévio dos educandos, ainda que incompleto ou equivocado; 
  • adaptamos o conteúdo, dentro do que é possível, à realidade e interesse dos estudantes, pois o que é ensinado precisa fazer sentido para eles.

Aplicando o princípio da peregrinação, 

  • não ignoramos os problemas dos educandos, mas desenvolvemos uma visão de quem eles podem vir a ser; 
  • convidamos os estudantes para fazerem uma caminhada, ajudando-os a darem passos de onde eles estão até onde eles podem e devem estar; 
  • mostramos respeitosamente aos estudantes onde estão equivocados, onde suas atitudes e posturas prejudicam não somente a eles, mas às pessoas a sua volta, desafiando-os a mudar.

Podemos modelar a aceitação e proposta de transformação do Evangelho na forma como ensinamos na proporção em que aceitamos e desafiamos os educandos. Ao fazermos isso, nossa educação será verdadeiramente transformadora não apenas no sentido educacional ou pedagógico, mas também estaremos cumprindo a missão que Deus tem para nós como educadores cristãos.

Raphael A. Haeuser
Coordenador do Didaquê e Consultor Educacional
TeachBeyond Brasil
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