Educando Para o Trabalho

(série Propósitos da Educação)

Provavelmente, para a maioria dos pais e dos próprios alunos, o principal propósito da educação é fornecer o conhecimento e as ferramentas necessárias para que o estudante entre satisfatoriamente no mercado de trabalho. Conforme vimos no artigo anterior, isso também está previsto pela legislação brasileira.[1]

Parte do raciocínio por trás disso é capacitar o educando a assumir responsabilidade por sua vida, capaz de definir os seus projetos, estudos, trabalho e demais escolhas. Por isso, a BNCC determina que ‘o mundo do trabalho’ seja abordado ao longo de toda a Educação Básica e seja contemplado nas áreas de linguagens, matemática, ciências da natureza, ciências humanas, bem como nas suas aplicações técnicas.[2] Isso não quer dizer que temos que transformar aquela turma do quarto ano em um curso profissionalizante ou buscar satisfazer a última necessidade do mercado de trabalho. Significa, porém, que existem coisas que os estudantes precisam ‘saber’ e ‘saber fazer’ para que estejam aptos a lidar com tudo o que envolve trabalhar. Mas o que isso tem a ver com a fé cristã? E como ela pode ajudar na preparação para o mercado de trabalho?

É comum limitar o entendimento do trabalho à transformação da natureza ou à produção de bens materiais, o que também faz parte do entendimento cristã de trabalho. Contudo, para a fé cristã, trabalhar é essencialmente um ato de cooperação com Deus. Essa noção vem do relato da criação, onde aprendemos que o ser humano foi formado à imagem e semelhança de Deus, e o que Deus mais faz em nos primeiros capítulos de Gênesis é justamente trabalhar. Deus trabalhou criando todas as coisas, organizando as coisas criadas para que tudo funcione adequadamente, e delegando ao ser humano a tarefa de dar continuidade ao que Deus vem fazendo.

Além disso, a fé cristã vê o trabalho como um ato de amor ao próximo e responsabilidade social, pois através do nosso trabalho, satisfazemos as necessidades uns dos outros. Martinho Lutero, reformador protestante, ensinou que quando oramos pelo “pão nosso de cada dia”, também estamos orando por “tudo o que pertence ao sustento e às necessidades da vida”.[3] Ao pedirmos o nosso pão, estamos também intercedendo indiretamente pelo agricultor, o refinador da farinha, o atacadista, o padeiro, o atendente da padaria, o caixa, etc. Deus poderia nos alimentar sem que tivéssemos de arar e plantar, colher, etc., mas ele prefere não fazer isso. As nossas atividades “são as máscaras de Deus, por trás das quais ele decide permanecer oculto e realizar todas as coisas”.[4]

Contudo, para que o nosso trabalho possa ser verdadeiramente visto como um ato de cooperação com Deus e de amor ao próximo, ele precisa ser feito com conhecimento e competência. O conhecimento tem a ver com o conteúdo específico de cada disciplina e, consequentemente, não vamos abordar isso aqui, mas sim focar na questão da competência.

Ensinar competência tem a ver com desenvolver habilidades e técnicas necessárias para que o educando venha a executar as suas tarefas com excelência. Podemos promover isso em sala de aula através de coisas bem simples, mas que são extremamente formativas. Antes de mais nada, nós mesmos temos que ser exemplos de um bom profissional, preparando uma boa aula e desenvolvendo um bom relacionamento com a turma. Além disso, gostaria de destacar dois aspectos importantes relacionados à competência:

  1. É crucial que o educando assimile o valor do tempo. Por isso, é importante começar e terminar a aula pontualmente, e fazer bom uso do tempo que se têm juntos. Os alunos que chegam atrasados, não precisam ser necessariamente punidos ou excluídos, mas precisam sentir que perderam algo. Uma forma de estimular isso é começar a aula com uma atividade interessante. Além disso, prazos para entregas de trabalho e datas de avaliações precisam ser respeitados. É uma forma de ensinarmos nossos educandos a se organizarem, a estabelecerem prioridades, e a administrarem bem o tempo deles.
  2. É primordial que o aluno desenvolva a excelência. Isso não deve ser confundido com perfeccionismos, manias de grandeza, atividades glamorosas ou padrões não realistas. Ser excelente é fazer as coisas bem feitas, de acordo com os recursos que temos à disposição e na proporção que a situação exige. É ser caprichoso. Não podemos aceitar que um estudante entregue uma redação sem título, cheio de rasuras e com a folha amassada. Essa é a hora de demonstrarmos, com sensibilidade e amor, não apenas que esperamos mais do nosso educando, mas também que acreditamos no seu potencial. Dar a oportunidade de refazer o trabalho, ainda que com um desconto na nota, é uma forma de ensinarmos a importância do capricho e da competência, requisitos essenciais de qualquer profissão.

Como adultos, gastamos metade do nosso tempo trabalhando, e todos nós dependemos do trabalho uns dos outros. Ninguém gosta de ser mal atendido ou de pagar por produtos ruins ou serviços mal-feitos. A menos que estejamos numa escola confessional, não podemos usar a noção de cooperação com Deus como motivação para o trabalho . Ainda assim, imagine se nossas aulas contribuíssem para uma visão positiva de trabalhar e para o desenvolvimento de jovens trabalhadores, capacitados e competentes. Eis aí um propósito digno para educação que todo educador e educando deveriam abraçar.


Raphael A. Haeuser
Coordenador do Didaquê
TeachBeyond Brasil

[1] Ver o Artigo 205 da Constituição Brasileira e Artigo 35, inciso II da LDB (Lei de Diretrizes e Bases).

[2] A BNCC (Base Nacional Comum Curricular) traz uma preocupação com o mundo do trabalho ao longo de todos os anos escolares, principalmente nas pp. 465–466. A BNCC pode ser acessada online em http://download.basenacionalcomum.mec.gov.br

[3] LUTERO, M. Os Catecismos (São Leopoldo: Sinodal, 1983), 373–4.

[4] Frase de Martinho de Lutero citada em KELLER, T. & ALSDORF, K.L. Como Integrar Fé & Trabalho (São Paulo: Vida Nova, 2014), 69.

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