EU E O MEU LUGAR NO MUNDO – Estudantes Cristãos ou Cristãos Estudantes?

O ambiente acadêmico e profissional são os lugares mais difíceis para vivermos a partir da nossa identidade como discípulos de Jesus Cristo. Muitos cristãos têm dificuldade em relacionar sua fé com seu trabalho ou seus estudos. Infelizmente, poucos têm recebido o devido apoio das suas igrejas para encarar esses desafios.

Embora a fé cristã seja pessoal e relacional, ela não é subjetiva, pois afeta todas as áreas da vida. A vida de fé começa quando depositamos nossa confiança em Cristo e então, a partir desse relacionamento, descobrimos quem verdadeiramente somos, revemos nossas crenças e valores, adquirimos uma nova lente para vermos a realidade e discernirmos qual é o nosso papel no mundo, incluindo nossa vida de estudante e trabalhador.

O livro de Daniel ilustra bem como nossa fé em Deus se relaciona com nossos estudos e trabalho, mesmo em ambientes hostis.[1] O livro começa com o maior desastre da história antiga de Israel. O povo de Deus havia traído a Deus, adorando deuses falsos e vivendo de forma violenta e imoral. Mesmo após várias advertências por parte de diversos profetas, não houve arrependimento verdadeiro e duradouro. O castigo foi perder a Terra Prometida através da invasão babilônica conduzida por Nabucodonosor.

Os conquistadores levaram à força alguns jovens da nobreza para a Babilônia, para participarem de um programa especial de liderança da UFB (Universidade Federal da Babilônia). Parte do programa era levar esses jovens a abandonarem sua identidade e valores judaicos, e assimilarem a cultura e a religião dos babilônios. Dentro desses jovens estavam Daniel e seus amigos.

A Questão da Identidade

Embora o texto bíblico não diga exatamente qual era o problema do RU (restaurante universitário), ele afirma que Daniel não queria ficar impuro. A proposta de Daniel de comer apenas legumes estava relacionada a preservar sua identidade judaica, pois assim não correria o risco de comer carnes sacrificadas a ídolos ou algum outro alimento impuro. 

Daniel não se submeteu acriticamente ao sistema de educação babilônico, mas também não adotou uma postura arrogante ou de confronto. Ele foi respeitoso e sábio na sua negociação com “o chefe dos serviços do palácio”, procurando humanizar sua condição e encontrar meios legítimos e culturalmente aceitáveis para expressar sua identidade. Da mesma forma, precisamos encontrar maneiras sábias de deixar as pessoas saberem que não somos inconvenientes. Como elas, estamos apenas buscando uma vida autêntica, de acordo com as nossas convicções mais profundas.

Assim como Daniel que estava sempre com seus amigos, é importante encontrar-se intencionalmente com outros cristãos da mesma escola ou tipo de trabalho, a fim de compartilhar preocupações, desafios, sucessos e fracassos, e também orar. Afinal, como cristãos que estudam engenharia vão aprender como aplicar a sua fé a questões profissionais, se não tiverem discussões regulares e intencionais com outros engenheiros cristãos? O mesmo se aplica a advogados, artesãos, agricultores, professores, pais, gestores de marketing e todas as outras profissões.

A Questão do Conhecimento

Pelo que sabemos através da arqueologia, o currículo da UFB era de 3 anos e incluía o estudo de línguas (o acadiano, a língua oficial dos babilônios, e o aramaico, a língua internacional da época), história, astrologia, ciências, adivinhação (dissecação de animais) e outras práticas religiosas. Tanto nos tempos de Daniel, quanto no nosso, nem sempre é fácil saber o que devemos aceitar ou rejeitar e como podemos filtrar o que aprendemos. (Foi apropriado aos olhos de Deus que Daniel e seus amigos estudassem astrologia? Era possível usar esse conhecimento sem absorver uma visão de mundo pagã?)

Mesmo que nos retiremos para uma comunidade remota ou optemos por estudar e trabalhar em ambientes exclusivamente cristãos, ainda assim teremos que encarar o ambiente pagão ou secular em algum momento. Mas perceba que Deus não livrou Daniel de ser exposto ao conhecimento babilônico, nem menosprezou o mundo acadêmico, e muito menos orientou Daniel para ignorá-lo por ser algo mundano, mal ou nocivo. Pelo contrário, Deus ajudou Daniel a ser excelente nos seus estudos.

Precisamos aprender a interagir com o conhecimento secular, e podemos fazer isso através de um processo de dois passos.[2] Começamos buscando entender uma proposta nos seus próprios méritos e com seus melhores argumentos para podermos nos engajar com os pontos reais que estão sendo apresentados, em vez de com uma versão caricata ou distorcida. Somente então podemos submeter nosso entendimento a uma avaliação crítica, incluindo a qualidade das evidências e a consistência interna dos argumentos. Também devemos explorar as sobreposições e divergências desse conhecimento com valores, princípios, imagens, e elementos da narrativa bíblica.

A Questão do Propósito

O fato de que Daniel prosperou nos estudos e no trabalho em uma terra hostil reforça a orientação do profeta Jeremias de que os exilados à Babilônia deveriam buscar “a prosperidade da cidade” (Jr 29:4–9). Foi isso que Daniel fez, e que nós também somos chamados a fazer.
Estudar não é um mal necessário ou simplesmente uma parte da vida a ser aturada. Estudar é uma forma de crescermos e de nos capacitarmos para servirmos a Deus no mundo. Estudamos e trabalhamos não apenas porque precisamos para nos sustentar, mas também para promover o bem-estar da nossa família, comunidade e país de acordo com a vontade de Deus. Ou seja, estudar e trabalhar não é uma distração do nosso propósito, mas uma forma de cumpri-lo, sendo luz em ambientes escuros.

Como cristãos, não só podemos como devemos buscar ter uma boa educação, mesmo que esta seja conduzida por não cristãos, para podermos participar mais efetivamente da missão de Deus. Através da educação, conquistamos o direito de preenchermos certos espaços e tornamo-nos mais aptos para fazermos a diferença. Ambientes não-cristãos, quer acadêmicos ou profissionais, podem ser hostis, mas não necessariamente. Que estejamos preparados, tomando as devidas precauções para não comprometermos a nossa identidade e não assimilarmos a cultura circundante acriticamente, mas também contando com a sabedoria divina para florescer nesses locais.

Raphael A. Haeuser


Coordenador do Didaquê
TeachBeyond Brasil

[1]Sugerimos que você leia Daniel 1:1–21 na sua Bíblia antes de continuar.

[2]Este processo de dois passos é uma adaptação do modelo de filósofo e teólogo Peter Kreeft no seu livro “Socratic Logic” (Lógica Socrática)

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