Seria o Inglês a Língua dos Anjos?

por que aprender e ensinar idiomas



Perguntas como “Qual língua falaremos no céu?” ou “Qual é a língua dos anjos?” podem parecer engraçadas ou complexas, mas só existem duas alternativas de resposta: ou será o Plattdeutsch – dialeto alemão falado especialmente pelos menonitas e que, segundo eles, leva “uma eternidade para aprender”; ou terá de ser o inglês, já que os americanos têm experimentado dificuldades em de aprender um segundo idioma. Brincadeiras à parte, o fato é que a obsessão com o aprendizado de inglês chega a conferir-lhe uma aura angelical.

Especialista em pedagogia do ensino de línguas, David I. Smith, lista várias razões pelas quais comumente busca-se aprender outra língua.[1] Talvez a mais comum ser ‘por prazer’, quando o aprendizado é motivado pela satisfação e agrado do aluno. Nesse cenário valoriza-se o enriquecimento interior que possibilita desfrutar a cultura estrangeira, e permite o curtir de músicas, filmes e seriados sem a necessidade de legendas ou tradução. Além disso, viabiliza a autoexpressão em um idioma que não o materno, melhorando também a autoestima. Semelhantemente, apela-se frequentemente para o ‘turismo’ como outra razão motivacional, pois permite ao indivíduo uma experiência de viagem mais rica e tranquila. Essas visões não são inerentemente problemáticas, mas isoladamente são insuficientes como fundamentação pedagógica. Elas reduzem a identidade humana a de um consumidor de experiências. Não veem, portanto, os falantes de outras línguas como pessoas valiosas em si mesmas, gerando assim um efeito negativo sobre como vemos e nos relacionamos com os outros que não falam como nós.

Contudo, a principal motivação para estudar inglês atualmente é ‘trabalho’. Tanto é que na pesquisa “Demandas de Aprendizagem de Inglês no Brasil” feita pelo Instituto Data Popular para o British Council em 2014, apenas esse motivo foi considerado. Segundo a pesquisa, a necessidade de saber inglês deve-se ao fato de que mais de 90% dos negócios internacionais são realizados nessa língua. Além disso, o aprendizado do idioma possui um valor simbólico de manutenção do status quo para as elites econômicas, e de ascensão social para as famílias das classes médias. Consequentemente, embora os professores geralmente apeguem-se mais às motivações idealistas da educação do que aos valores econômicos, essa visão pedagógica pretende fornecer ao mercado de trabalho indivíduos capacitados para, em resumo, aproveitarem novas oportunidades econômicas. Obviamente, não há nada de errado em buscar uma colocação profissional melhor. O problema, novamente, está na redução da identidade humana a “você é o que faz” e na redução dos valores morais à produtividade, eficiência e organização. Apesar da importância dessa visão, ela é inadequada se estiver desacompanhada.

É comum atribuir a origem da diversidade linguística ao juízo de Deus sobre o projeto de autonomia humana na cidade-torre de Babel, onde Ele teria confundido os idiomas (Gn. 11:1-9). Contudo, David I. Smith argumenta que a nossa capacidade linguística é anterior a isso, pois é parte essencial da nossa humanidade e já está embutida na própria criação. Após o Seu ato criador inicial, Deus delegou a maturação e o desenvolvimento contínuo do mundo criado para nós – seus representantes oficiais, feitos à sua imagem. Assim sendo, a tarefa de dar nomes aos animais (Gn. 2:19-20) não foi o primeiro teste de vocabulário, mas o cumprimento responsável de uma de nossas tarefas enquanto seres humanos. Em outras palavras, a diversidade linguística e cultural já presente na ordem criacional e a nossa resposta ao chamado para sermos imagem de Deus fornecem o ímpeto original para o ensino e aprendizagem de idiomas. Por essa razão, Smith propõe que qualquer proposta pedagógica seja avaliada pelas seguintes perguntas: Que tipo de pessoa esta visão procura gerar? Que tipo de relacionamento com a cultura estrangeira e seus falantes esta visão promove? Esta visão faz jus ao estrangeiro como um igual, feito à imagem de Deus?

O autor também propõe que a metáfora bíblica da hospitalidade seja utilizada como princípio norteador do ensino de idiomas. Ser hospitaleiro não implica abrir mão da própria identidade ou cultura, nem acolher acriticamente ou romantizar o estrangeiro, mas sim desenvolver uma postura de amor e respeito para com os falantes de outras línguas, americanos inclusive. Trazer o conceito de hospitalidade para a sala de aula significa que além de ensinar a conjugar o verbo to be, discernir falsos cognatos e memorizar phrasal verbs, é preciso criar um ambiente seguro para aprendizagem e desenvolver a hospitalidade como um valor nos alunos. Trata-se de embarcar numa jornada que vai da falta de sensibilidade cultural e consciência da própria cultura, passando pela noção da importância de compreender a cultura alheia e pela curiosidade e vontade de interagir com um estrangeiro verdadeiro, até finalmente chegar a uma postura reflexiva sobre própria cultura e, assim, crescer como pessoa.

Apenas 5% dos brasileiros afirmam ter algum conhecimento da língua inglesa e, nos próximos 12 meses, estima-se que 10% vão começar a estudar, visando prazer, turismo ou trabalho. Imagine se além de terem mais acesso a mais informações, de poderem se comunicar no exterior, ou conseguirem um emprego melhor, esses indivíduos se tornassem pessoas que se relacionam em amor fraternal com outras pessoas? Afinal, “ainda que eu fale… as línguas dos anjos… se não tiver amor, nada serei” (1Co 13:1-2).


Raphael A. Haeuser
TeachBeyond Brasil
Coordenador do Didaquê

[1] SMITH, D.I. & CARVILL B.  The Gift of the Stranger: Faith, Hospitality, and Foreign Language Learning (A Dádiva do Estrangeiro: fé, hospitalidade e aprendizado de língua estrangeira). Grand Rapids/MI: Eerdmans, 2000.

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