Revolução Afetiva: o que não te contaram sobre seus alunos

Em 2021, um grupo de pesquisadores fez uma descoberta interessante. Ao analisar as palavras mais usadas entre 1850 e 2019, a equipe liderada pelo professor Marten Scheffer percebeu que termos relacionados à racionalidade e às instituições coletivas estavam em declínio, enquanto palavras ligadas a aspectos individuais e emocionais ganhavam cada vez mais espaço.[1] Essa mudança no uso da linguagem reflete uma transformação cultural mais ampla: estamos vivendo em uma era onde a ênfase nas emoções e experiências pessoais substitui cada vez mais o foco na objetividade e no coletivo.

Essa transformação já pode ter sido notada por alguns professores em sala de aula, ao perceberem que seus alunos enfrentam dificuldades em compreender perguntas básicas e objetivas em atividades e provas. Isso vai além de problemas de investimento na educação ou de métodos ineficazes. Os alunos de hoje não percebem o mundo da mesma forma que os alunos do passado. Professor, você já se perguntou o que está acontecendo?

Intrigado com essa questão, o professor Guilherme de Carvalho iniciou uma pesquisa e percebeu que “vivemos em uma cultura profundamente psicologizada e sentimentalizada”.[2] Isso vai além do velho jargão de que, hoje em dia, “as pessoas estão mais sensíveis”; na realidade, Carvalho nota algo importante: “a busca por verdade e sentido foi de repente abandonada por uma busca de autenticidade e legitimação moral”.[3] Foi então que ele nomeou todo esse processo como “Revolução Afetiva”.

A Revolução Afetiva é a ideia de que um ser humano só é verdadeiramente autêntico por meio de um ambiente livre para uma autoexpressão emotiva, um lugar onde as pessoas podem expressar a emoção livremente, sem julgamentos racionais. A reflexão crítica é substituída pela experiência sensorial, e todos os sentimentos devem ser validados. Essa revolução não se restringe apenas a uma área específica, como a academia, mas atinge o marketing, a moda, a política e as ações mais basilares do caminho de um ser humano, como a educação. Basta acessar o YouTube e ver como eram as propagandas antigamente e como elas são hoje. Nos anos 50, a propaganda de uma batedeira de cozinha dizia assim:

“Sôbre-tampa que permite adicionar alimentos sem desligar o motor. Jarro em forma de coqueteleira, para servir receitas diretamente na mesa. Motor ‘Super-Silent’, ultrapotente, com velocidade regulável – da mais baixa até 18.000 rotações por minuto. Alça circular que facilita o manejo”.[4]

E o que mudou, então? A mesma empresa hoje diz: “As Batedeiras [marca] são projetadas pensando em você”.[5] Por que isso é importante? Antes, as pessoas se preocupavam com as especificações técnicas do produto; hoje, as empresas investem no mercado da experiência e emoção.

O que isso implica? Que vivemos em uma cultura onde a emoção e o afeto não são apenas um aspecto da vida, mas o centro de gravidade ao redor do qual tudo orbita. A verdade e a razão estão em segundo plano. Todos os sentimentos devem ser validados, mas nem todas as verdades devem ser contadas. Todas as formas de amor são válidas, mas isso não vale para os discursos. A questão não é mais se a grama é verde; a questão é como as pessoas que gostam de amarelo se sentem em relação à grama verde.

Tudo muda; o novo centro do mundo é o afeto. E, com isso, todas as coisas são redefinidas, até os relacionamentos. A família, por exemplo, não é mais uma instituição formada por laços biológicos ou algum tipo de pacto sagrado (como o casamento); ela é um “núcleo social de pessoas unidas por laços afetivos, que geralmente compartilham o mesmo espaço e mantêm entre si uma relação solidária e estável”.[6]

A Revolução Afetiva muda o meio pelo qual os alunos em sala de aula receberão o conhecimento passado por seus professores. Eles não pensam mais sobre como esse conhecimento pode mostrar algo maior que eles ou revelar um mundo cheio de curiosidades. Eles dizem a si mesmos: “Como essa fórmula pode ser útil se ela me irrita tanto?”. Isso gera muitos problemas, pois a educação sempre foi uma ferramenta para mostrar que existem verdades maiores que os narizes aborrecidos dos alunos que se irritam com a matemática.

A verdade pode ser extremamente irritante, eu confesso. Mas o fato de eu não me sentir confortável com ela não a torna menos importante; isso precisa ser enfatizado. Eis um dos motivos pelos quais a verdade precisa irritar nossos afetos: para provar que existe algo além de nós mesmos. À medida que a Revolução Afetiva avança sobre a nova geração e, ainda que ela se preocupe mais com o emocional do que com o racional, nossos alunos estão cada vez mais doentes e menos sociais. Ironicamente, a sociedade das redes sociais é a sociedade de menor interação social![7]

Uma sociedade que prioriza menos o coletivo e o racional e mais o individual e o emocional certamente é um novo desafio para educadores, especialmente educadores cristãos. É essencial que a educação seja um meio para apontar para uma verdade maior, que existe para além das emoções e do “self”. Este é o papel profético que a educação pode fornecer para alunos afetivos: mostrar que os afetos e o ser humano só podem encontrar sentido e equilíbrio em algo maior, mais propriamente dizendo, no próprio Deus: Razão da razão, Verdade, fonte da verdadeira emoção, enfim, o Professor de que todos os nossos alunos precisam.

Gabriel Joumblat

Gabriel Joumblat é aluno do Seminário Teológico de Gramado, alcançado pela graça, que se aventura a escrever poesia e prosa com um tempero de teologia, filosofia e bom humor.


[1] SCHEFFER, Marten; VAN DE LEEMPUT, Ingrid; WEINANS, Els; et al. The Rise and Fall of Rationality in Language. Proceedings of the National Academy of Sciences, v. 118, n. 51, p. e2107848118, 2021. Disponível em: . Acesso em: 7 set. 2024.

[2] CARVALHO, Guilherme de. A Revolução Afetiva e a Substituição do Racional pelo Emocional. Gazeta do Povo. Disponível em:<https://www.gazetadopovo.com.br/vozes/guilherme-de-carvalho/revolucao-afetiva/>. Acesso em: 30 abr. 2024.

[3] Idem

[4] JR, Dalmir Reis. Propagandas Históricas: Liquidificador e Batedeira Arno – 1955. Disponível em:<https://www.propagandashistoricas.com.br/2021/04/liquidificador-e-batedeira-arno-1955.html>. Acesso em: 9 set. 2024.

[5] MAIS, Loja Arno Oficial | Compre Arno, Rochedo, Tefal, Clock, Krups, Nescafé Dolce Gusto e muito. Batedeiras e Planetárias: Conheça nossas opções | Arno. Disponível em:<https://www.arno.com.br/arno/para-cozinha/batedeira-e-planetaria>. Acesso em: 9 set. 2024.

[6] ALVEZ, Jonas Figuerêdo. Na Obsolescência das Palavras, a Família Mudou. Blog Consultor Jurídico. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2023-fev-05/processo-familiar-obsolescencia-palavras-familia-mudou/>. Acesso em: 9 set. 2024.

[7] MONITCHELE, Marília. Estudos Revelam o Assustador Impacto da Tecnologia nas Relações Sociais. Revista Veja(Online). Disponível em:<https://veja.abril.com.br/comportamento/estudos-revelam-a-dimensao-do-isolamento-social-estimulado-pela-tecnologia>. Acesso em: 9 set. 2024.

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