Caminhando com a Próxima Geração
Vivemos em um abismo de gerações. A velocidade das transformações sociais das últimas décadas faz com que filhos cresçam em um mundo completamente diferente de seus pais. Além disso, é comum diagnosticar a nova geração como não tendo direção clara, maturidade emocional, compromissos firmes, integridade moral, discernimento espiritual, consciência financeira e um senso de responsabilidade para com o mundo em que vivem. É claro que cada indivíduo (e geração) é responsável pelas suas escolhas, mas qual é a responsabilidade das gerações anteriores neste cenário?
Esquecemos facilmente de que “Apenas um homem e uma mulher foram criados plenamente maduros como pessoas. Todos os outros homens e mulheres neste planeta, incluindo Jesus, tiveram que aprender a se tornar adultos.”[1] O caminho para a vida adulta não deveria ser trilhado sozinho, mas com o devido apoio dos pais, dos professores, de outros adultos e da comunidade de fé.
Talvez a orientação bíblica mais direta sobre esse tema venha de Efésios 6:1-4, que descreve o papel de filhos e pais. Esta passagem faz parte de um bloco maior da carta que trata da vida em comunidade, em que Paulo introduz o conceito de submissão mútua (Ef 5:21). O objetivo dessa mutualidade não era minar a autoridade daqueles que eram considerados superiores na sociedade da época, mas sim promover a reconciliação entre eles e dar um bom testemunho aos de fora. Assim, os filhos devem se submeter aos pais, mas os pais também devem se submeter aos filhos. Como assim?
Compreendemos bem a submissão dos filhos aos pais através da obediência, mas a submissão dos pais aos filhos não é parte do problema? Sim, se a submissão dos pais significa viver em função dos caprichos dos filhos, buscando satisfazer todos os seus desejos, e deixarem de impor limites saudáveis. Contudo, o tipo de submissão que o texto bíblico tem em vista é bem diferente. Ela significa que os pais têm obrigações em relação aos filhos.
Além da sua responsabilidade de prover às suas necessidades básicas como nutrição, segurança e afeto aos filhos, os pais devem criá-los “segundo a instrução e o conselho do Senhor” (v. 4). A expressão “do Senhor” nos remete ao objetivo de todo processo de criação ou educação de filhos. Conforme o Salmo 78, temos a responsabilidade de contar “à próxima geração os louváveis feitos do Senhor” (v. 4) para que ela deposite sua “confiança em Deus” (v. 6).
A palavra “instrução” se refere ao treinamento prático. Uma imagem útil para isso vem do Salmo 127 em que filhos são comparados a flechas. Flechas foram projetadas para acertar num alvo pré-determinado, e a capacidade de ser um bom arqueiro vem através da prática constante. Como pais, somos chamados a ajudar nossos filhos a desenvolverem seus pontos fortes e a superar ou pelo menos minimizar suas vulnerabilidades, para estarem aptos a encarar os desafios da vida adulta de maneiras que honrem a Cristo. Isso requer tempo, repetição e disciplina, tanto no que se refere à correção quanto à criação de hábitos saudáveis. Nossos filhos dificilmente vão chegar lá sozinhos; eles precisam da nossa instrução.
Já a palavra “conselho” se refere ao treinamento verbal, seja por meio de orientações simples, claras e diretas, seja por meio de palavras de afirmação e advertências. Mas a parte mais importante é a formação de uma visão cristã de mundo. Em Deuteronômio 6:4–9, vemos que as orientações de Deus para o seu povo devem ser “ensinadas com persistência” (v. 7). A palavra hebraica por trás disso significa literalmente ‘gravar’ ou ‘entalhar’, sugerindo que o ensino dos filhos deve replicar a intencionalidade, o esforço, o cuidado e a dedicação necessárias para fazer uma escultura artística. Isso pressupõe que os pais precisam conhecer as Escrituras e saber aplicá-las ao mundo dos seus filhos. Que os mandamentos de Deus estão escritos “nos batentes das portas… e em seus portões” nos revela que eles não tratam apenas de questões pessoais, pois também são de relevância e aplicação pública e comunitária.
É inegável que o ensino e o discipulado formal são importantes, mas o foco do texto de Deuteronômio é no aprendizado que se dá nas experiências cotidianas, quando estamos “andando pelo caminho”. Pessoalmente, tenho percebido como caminhar literalmente com meus filhos, seja para levá-los à escola, seja por prazer ou exercício, muitas vezes gera a oportunidade de caminhar espiritualmente com eles, conversando sobre coisas que não falaríamos se tivéssemos planejado. As conversas mais formativas não surgem quando dizemos “precisamos conversar”, mas quando tiramos tempo para “caminhar com eles”, participando do seu dia-a-dia.
As novas gerações não serão alcançadas pelas nossas críticas, mas pelo nosso investimento contínuo e amoroso nas suas vidas. Como pais, professores e comunidade cristã, temos a missão de educá-los no Senhor por meio do ensino formal e informal. Abdicar dessa tarefa é negar a nossa fé (1Tm 5:8).
Raphael A. Haeuser
Coordenador do Didaquê
TeachBeyond Brasil
[1] TAYLOR, Jack & ARENSEN, Shel. 12 Tasks: creating a rite of passage (12 Tarefas: criando ritos de passagem). 2021.
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