As Eleições e a Sala de Aula: uma visão cristã

Estamos em mais um ano de eleições, e apesar de a política ser uma excelente forma de resolver divergências e problemas e evitar confrontos agressivos, esses períodos costumam carregar uma certa tensão devido à disputa eleitoral. Na política e no sistema democrático devem prevalecer argumentos e todo o mais necessário para se gerar convencimento, o que é muito distante de uma conquista através da força, ódio ou agressão. Como lidar com essa tensão e esses assuntos em sala de aula? A fé cristã tem alguma contribuição nesse sentido?

É importante lembrarmos que a escola é um espaço educativo para a vida em sociedade, ela não é um local que existe para ser uma plataforma para as ideias políticas do professor ou de quem quer que seja. Portanto, o papel do professor não é de imprimir a sua visão política ou de mundo, por mais que possua “liberdade de cátedra”[1] e, como indivíduo e cidadão, jamais deixará, de alguma forma, de expressar o que sente e pensa. Porém, a escola, como espaço plural, de ensino e reflexão de ideias, deve ensinar e gerar um ambiente favorável para que os estudantes se posicionem e interajam com competências e habilidades no debate público de forma respeitosa e bem argumentada. A principal preocupação do professor em sala de aula não é impor uma visão política específica ao aluno, mas sim, ensinar que é fundamental respeitar opiniões divergentes e embasar bem os seus próprios argumentos e posições, lembrando que os limites éticos, morais e, inclusive, legais sempre devem ser seguidos nos posicionamentos políticos.

Dentro de uma perspectiva cristã, há outros fatores relevantes que devem ser considerados. Os cristãos deveriam ter esperança e confiança definitivas através da política? Penso que não. Não há na teologia do Antigo e, principalmente, do Novo Testamento uma perspectiva de redenção através da política. A cosmovisão cristã está diretamente identificada com Jesus de Nazaré que, apesar de ser chamado de “Rei dos reis e Senhor dos senhores”[2], não foi um político. Isso significa que os cristãos não devem, obviamente, se comportar como ateus praticantes. Sempre que os cristãos temem e perdem o seu autocontrole por questões políticas, eles parecem não acreditar na própria fé.

Se Jesus não foi (e não é) um político, mas é Senhor dos senhores, isso quer dizer que os cristãos acreditam em uma realidade que vai para além do que se pode ver, mas que ao mesmo tempo interage com a realidade visível e prática. A fé cristã não referenda uma perspectiva materialista, tão pouco uma separação total ou um descolamento da realidade visível e invisível, mas sim, uma unidade entre as duas. Essa perspectiva é muito rica!

Tudo isso nos leva a crer que a nossa missão como educadores cristãos não é a de obrigatoriamente apoiar determinados políticos, pois a nossa atenção não está direcionada a algo momentâneo e passageiro, mas a valores que acreditamos serem eternos.[3] Para a fé cristã, não é um político que vai salvar o mundo; essa tarefa foi incumbida a Jesus.

O que deve ser feito, então? Ensinar valores do Reino de Deus que sejam compatíveis com valores apreciados pela sociedade e que de fato podem gerar uma transformação. É impossível que uma pessoa ou um político “salve” ou transforme para melhor de maneira definitiva uma nação, mas uma cultura que aprecie bons valores irá valorizar e produzir políticos com bons valores. Isso sim, acredito, pode ser útil.

Como um professor cristão pode ensinar política na sala de aula? Como mencionado, podemos ensinar valores que não são estranhos aos valores ensinados pela sociedade e que favoreçam a valorização e formação de políticos melhores. Por exemplo: um dos grandes problemas da política brasileira é a mentira (ou fake news). Ela é muito mais destrutiva do que parece, pois gera uma distorção da realidade, fazendo com que as pessoas não saibam exatamente no que acreditar e tomem decisões que não tomariam se estivessem bem-informadas. Para os cristãos, a mentira tem origem no mal, e o ato mentir significa participar do que é destrutivo. Logo, os cristãos deveriam ser portadores da verdade, deveriam ter critérios definidos para avaliar e acreditar ou não nas informações que recebem, e rejeitar todas as mentiras provenientes da “esquerda” ou da “direita”.

Outro exemplo é a corrupção. Para os cristãos, ela é um completo absurdo. Está explícito na sua base de fé, a Bíblia Sagrada, a aversão ao roubo, ainda mais, ao roubo que prejudica milhares ou milhões de pessoas. Logo, os cristãos devem ser portadores de uma luta anticorrupção. Os cristãos também certamente acreditam que a pobreza é fruto de um mundo que caminha distante de Deus, há inúmeros textos na Bíblia Sagrada e uma teologia bem fundamentada que condenam a ganância e a riqueza desonesta, bem como trazem esperança para quem está pobre. Logo, os cristãos são portadores do desejo e da ação para que a pobreza não seja uma realidade no seu país.
Um professor pode ensinar e transmitir esses valores em sala de aula. Eles são valores cristãos que podem levar a melhora social e que não se chocam com os valores da sociedade[4], ou seja, não há impeditivos, a princípio, para que eles sejam trabalhados em sala de aula.

Uma educação cristã política em sala de aula não está preocupada com um “salvador” político ou com o político “certo”, a sua preocupação é com o Reino de Deus, a cultura “correta”, e o entendimento “correto”, que por fim são capazes de gerar uma transformação no ambiente político.



Thomas Rates Pierosan

Thomas é professor de História e Sociologia de Ensino Fundamental e Médio, possui formação em Teologia pela Aliança Bíblica de Caxias do Sul, pós-graduado em “A Moderna Educação: Metodologias, Tendências e Foco no Aluno” e mestrando em Ciências Sociais/Ciência Política pela PUC-RS.


[1] Conforme o Art. 206 da Constituição Federal e o Art. 3º da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1996.

[2] Apocalipse 19:16; 17:14; e outros textos relacionados.

[3] Mateus 6:20

[4] Ao mesmo tempo em que esses valores não são rejeitados pela sociedade, eles estão entremeados em uma série de disputas de virtude entre as chamadas “esquerda” e “direita”. Os cristãos não têm o porquê se envolver nessa disputa, eles não precisam se preocupar com “qual lado eles concordam”, visto que eles têm uma fonte moral própria: a Bíblia Sagrada corretamente estudada e interpretada.

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