A ARTE-EDUCAÇÃO E O CRISTÃO: UMA INTRODUÇÃO

Os artistas ocupam um espaço bem particular em nossa sociedade e, por consequência, os arte-educadores [1] também. A arte-educação [2] no Brasil é responsável tanto por uma educação formal quanto informal, assim os profissionais que atuam nas matérias de arte não são apenas professores, mas artistas educadores. Por conta de terem mais contato com a produção e prática artística, o ensino da arte se torna uma maneira de fazer com que os alunos se interessem e se apropriem de diferentes formas de expressão. Este reconhecimento no ensino levou a uma nova percepção da arte, gerando uma recepção mais calorosa do público com a arte, um entendimento dos temas e das pautas que ela aborda. Dentro das comunidades cristãs, porém, a arte nem sempre é bem quista, sendo muitas vezes chamada de mundana ou até mesmo de anti-cristã.

O historiador da arte holandês, Hans Rookmaaker em seu livro A Arte Não Precisa de Justificativa [3], mostra que os artistas têm uma participação importante em nossa sociedade, mas que muitas vezes não se faz questão de entendê-los, porque julga-se que são supérfluos. Esse distanciamento muitas vezes se dá porque os artistas são obrigados a se moldarem aos padrões do mercado, o que leva ao entendimento dentro de um senso comum, de que a arte e a fé não se misturam. Isso fez com que os artistas sejam colocados em um gueto cultural distante da igreja, em vista que tanto a arte moderna quanto a contemporânea causam estranhamento à comunidade cristã. Por conta desta construção de gueto, a arte que originalmente estava muito atrelada à fé, principalmente no ocidente, encontra-se distante porque ela foi colocada em um patamar de utilitarismo, sendo usada apenas para evangelismo.

Pensando sobre isso, Rookmaaker descreve uma cosmovisão cristã frente às relações da arte, o artista cristão e a sua fé. Seu livro apresenta a necessidade de o artista cristão se envolver com a arte genuinamente, não buscando utilizá-la apenas como forma de evangelismo, mas atrelar a ela um significado de louvor e engrandecimento de Deus. Rookmaaker entende que o cristianismo convencional se tornou um tipo de pietismo, com uma fé baseada apenas no Novo Testamento e uma vida devocional, que desconsidera os outros âmbitos da fé. Sendo “entregues” ao “mundo”, áreas importantes e fundamentais para a fé cristã, como a ciência, economia, política e a arte, acabam sendo negligenciadas e afastadas da cosmovisão cristã.

Contudo, o entendimento de valorização cultural é iminente à fé cristã. A fé deve e pode dialogar com a arte, e não só pode como veio se relacionando ao longo dos séculos. Desde a criação da humanidade, existe uma relação entre a existência e a criatividade. Em Gênesis 1, vemos que o primeiro verbo escrito na bíblia é referente ao próprio Deus: ele “criou” (Gn 1:1) E logo após Ele fala “Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança” (Gn 1:26). Isso só significa que o Deus Cristão é mais interessado em arte e na criação do que pensamos. Por esta razão podemos dizer que Deus possui um interesse intencional na forma como a humanidade cria. No entanto, como esta é uma das características dadas pelo próprio Criador à humanidade, quando rejeitamos a arte ou a criação, nos tornamos ingratos. E ao se apropriar de um pensamento dicotômico, nos distanciamos daquilo que é inerente ao próprio Deus. Infelizmente, isso tem acontecido muito porque a forma, tanto contemporânea quanto moderna de fazer arte se apropria muito mais de uma ideia filosófica. Quando a arte fica imersa nas ideologias e crenças individuais do artista, ela se torna muito mais difícil de se compreender e causa um afastamento dos cristãos à cultura por uma recusa à compreensão artística.

Com isso, precisamos pensar no papel que o artista, o educador e o cristão têm se apropriado dentro da sociedade. O artista cristão e o arte-educador cristão acabam sendo vítimas da mesma situação complexa, sendo inserido e convidado a se apropriar de estereótipos que não são pertencentes ao seu trabalho. Rookmaaker, porém, argumenta que se a arte é inerente ao ser humano e parte da sua identidade, ela não precisava de uma justificativa para existir. A sua própria existência já a justifica, sendo esta uma adoração ao nosso Deus por si só. Por conta disso, artistas e educadores cristãos devem considerar que a criatividade é algo que foi dado pelo próprio Deus e que deve ser utilizada com maestria, promovendo-a em nossos meios e principalmente em nossa comunidade de fé, a fim de podermos exercer o que Cristo nos deu.

 
Luíse Flôres Lorenz


Artista visual e Arte-educadora formada pela Universidade de Caxias do Sul (UCS) atualmente faz parte do ministério de arte e cultura da TeachBeyond Brasil.

[1]O termo arte-educador é utilizado para designar o professor que atua no ensino de conteúdos de arte em escolas da rede pública e particular. Referência: FILHO, David Sad. A formação do arte-educador: diálogos e contrapontos entre arte e educação e suas ressonâncias no trabalho docente. Programa de pós-graduação, departamento de ciências da educação, Universidade Federal de São João Del-Rei, 2013, p. 13. Disponível em:<https://ufsj.edu.br/portal2-repositorio/File/mestradoeducacao/DISSERTACAO%20DAVID.pdf> Acessado em 15/04/24

[2]A arte educação veio a ser idealizada principalmente por Ana Mae Barbosa (1989) que desenvolveu uma proposta de ensino da arte chamada abordagem triangular. Uma das principais teóricas brasileiras revolucionou o ensino da arte a partir dos anos 1970 ao relacionar o pensamento crítico dos alunos sobre obras de arte com a produção em sala de aula.
Referência: BARBOSA, Ana Mae. Arte-Educação no Brasil: realidade hoje e expectativas futuras. 1989. Disponível em: <https://www.scielo.br/j/ea/a/yvtmjR7MGvYKjPDGPgqBv6J>Acessado em 15/04/24

[3]ROOKMAAKER, H. R. A arte não precisa de justificativa. tradução de Fernando Guarany Jr. Viçosa, MG: Ultimato, 2010.

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