O Que faz a Educação Cristã ser Cristã?

A expressão “educação cristã” gera diferentes sensações para pessoas diferentes. Uns se lembrarão com alegria do flanelógrafo do ministério infantil; outros incluirão o homeschooling e escolas cristãs, mas poucos mencionarão a escola pública. Via de regra, temos uma “visão de educação cristã”, tanto é que nossas igrejas estão repletas de programas para crianças, adolescentes e jovens. Mas também precisamos desenvolver uma “visão cristã de educação”, um guarda-chuva maior que abrigue a educação domiciliar, as escolas cristãs e o próprio sistema público de educação, pois essas esferas também importa para Deus.

No entanto, usar as palavras “cristão” e “escola pública” na mesma frase pode deixar muita gente nervosa. Para a maioria dos não cristãos e até mesmo para muitos crentes a educação não pode ou não tem como ser cristã. Existe o medo de proselitismo e argumenta-se que o sucesso dos esforços humanos na engenharia, agricultura e medicina, por exemplo, não é determinado pela fé, mas pela razão. Ou seja, o conhecimento a ser ensinado na escola não está baseado nem é legitimado por algum tipo de autoridade religiosa como a tradição cristã ou a Bíblia, mas sim naquilo que é objetivo e científico. Considerando que dois mais dois é quatro, independentemente da fé da pessoa, e que o estado brasileiro é laico e não pode promover uma fé específica, em que sentido é a educação escolar pode ser considerada cristã?

A educação pode ser considerada cristã quando…

  • a visão de mundo dos alunos é discernida e avaliada à luz da fé cristã. Cada indivíduo tem uma visão de mundo que direciona sua vida, e essa visão é formada inconscientemente, como que por osmose, através das histórias, experiências e hábitos que acumulamos ao longo da vida. A maioria das pessoas não sabe no que crê e muito menos por quê, pois provavelmente jamais parou para refletir sobre isso. Considerando que as novas gerações estão imersas em uma atmosfera cada vez mais secularizada e pós-cristã, não deveríamos nos surpreender que elas estão absorvendo valores que pouco tem a ver com a fé cristã. Num primeiro momento, uma visão cristã de educação visa auxiliar os estudantes a discernirem o que eles acreditam sobre as grandes questões da vida. Além disso, é preciso ajudá-los a verificarem se as suas respostas têm um fundamento sólido o suficiente para construírem suas vidas de forma saudável e sustentável a longo prazo, tanto do ponto de vista pessoal quanto social.
  • o conteúdo ensinado é abordado a partir de uma perspectiva cristã. Uma visão cristã de educação não se propõe apenas a questionar, mas principalmente a construir. Quando Deus instruiu o ser humano a cultivar o jardim, Ele nos deu a responsabilidade e a liberdade para desenvolvermos não apenas a agricultura, mas todas as áreas do conhecimento e da tecnologia. Mesmo que os conteúdos ensinados sejam os mesmos do professor na sala ao lado, a visão, os objetivos, os compromissos éticos e o propósito de ensiná-los serão diferentes. Por exemplo, o processo de construir uma casa vai seguir os mesmos princípios de engenharia, não importa a fé da pessoa. Contudo, um engenheiro cristão vai dar atenção especial à segurança da construção e ao bem-estar dos moradores (Dt 22:8). Claro que você não precisa ser cristão para ter esse tipo de preocupação, mas uma perspectiva cristã de construção civil não pode negligenciar esse aspecto.
  • as nossas práticas pedagógicas estão alinhadas com um ideal de cristão. É impossível desvincular nossa visão de educação da nossa visão do que significa ser humano e viver uma boa vida.[1] A nossa forma de ensinar, o ambiente que criamos em sala de aula, as estratégias de avaliação trazem consigo um universo moral do que é bom, certo e desejável, bem como um ideal que significa ser uma boa pessoa, viver bem e ter sucesso. Embora todo educador saiba que educar é muito mais do que transmitir conteúdo, ainda assim observamos que a educação brasileira, inclusive a cristã, tende a ser bem conteudista. O educador Donovan Graham, no entanto, insiste que devemos ver “o processo como conteúdo”,[2] ou seja, a forma como ensinamos também transmite uma mensagem, e se houver inconsistência entre as nossas palavras (conteúdos) e ações (processos), as ações sempre terão mais peso. Não adianta termos conteúdos cristãos ou falarmos de valores cristãos, se nossas práticas pedagógicas continuam promovendo um ideal de vida meramente secular. Por exemplo, podemos ensinar uma língua estrangeira de maneira que reforce os ideais do turismo e sucesso profissional individual, ou que desperte os alunos para verem a necessidade de acolherem um imigrante ou refugiado.

Ter uma visão cristã de educação, então, não significa transformar a escola em um ministério infantil, nem deixar de ensinar o que está previsto na legislação ou no planejamento da instituição de ensino a fim de “ministrar” na vida dos alunos. Uma visão cristã de educação deve ser marcada pela busca da excelência acadêmica, ao mesmo tempo em que promove a formação integral do aluno, incluindo a sua dimensão espiritual, emocional e social, para que eles possam contribuir para a construção de uma sociedade mais justa, amorosa e pacífica, em alinhamento com o Reino de Deus. E ao fazer isso, o educador vai se deparar com o oportunidade de falar da esperança que tem no Senhor Jesus Cristo (1Pe 3:15).


Raphael A. Haeuser
Coordenador do Didaquê
TeachBeyond Brasil

[1] SMITH, David I. Pedagogia Cristã: como praticar a fé em sala de aula. Thomas Nelson Brasil, 2022.

[2] GRAHAM, Donovan. Teaching Redemptively: bringing grace and truth into the classroom (Ensinando de Forma Redentiva: trazendo graça e verdade para a sala de aula). Purposeful Design Publications, 2003.

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  1. […] A educação é uma esfera essencial da vida humana. Através dela nos preparamos para o mercado de trabalho, tornamo-nos melhores cidadãos, crescemos como pessoas ao desenvolvermos habilidades e competências, e formamos o nosso caráter. Embora nem sempre de forma eficiente ou coerente, a educação igualmente vital para a fé cristã, como atestam dois mil anos de história. Mas em que sentido uma educação pode ser cristã? […]

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