O Desafio Invisível da Adolescência

Quando pensamos na adolescência a partir de um ponto de vista psicanalítico, entendemos que ela é um processo sem tempo demarcado, mas singular em cada sujeito. Porém, podemos perceber que há padrões que permeiam essa fase psíquica.

Alguns teóricos dizem que a adolescência é a fase do “não ser”: não somos mais crianças, mas ainda não somos adultos. É um limbo, no qual já não sabemos qual é o nosso lugar e perdemos muitas das referências que antes tínhamos. Por isso, muitos autores concordam que a adolescência é, em essência, um processo de luto — luto pela forma de ver o mundo, as pessoas e a si mesmo. Assim, é difícil delimitar o que seria “normal” ou “patológico” neste processo, pois até mesmo a adolescência considerada normal já é repleta de sintomas característicos.

Vamos destrinchar os três principais lutos que o adolescente enfrenta e como ele se relaciona com suas emoções em cada uma dessas perdas.

O primeiro luto é a perda do ideal dos pais. O adolescente precisa lidar com a mortalidade paterna, entendendo que seus pais não são aquelas figuras mágicas que a infância sempre tentou retratar. Mesmo em casos em que o adolescente não tem seus pais presentes ou convive com pais muito hostis (e, portanto, talvez já perceba desde cedo que eles não são essas criaturas mágicas), não estamos falando necessariamente do pai e da mãe biológicos, mas daquelas figuras de referência em que a criança sempre pôde se apoiar.

A partir dessa percepção da mortalidade paterna, surgem vários fenômenos típicos da adolescência. Um deles é a indagação dos fundamentos que antes eram certezas. Com o luto do ideal dos pais, o adolescente passa a questionar valores, crenças e convicções, buscando respostas para perguntas existenciais ou até mesmo se opondo a tudo o que antes seguia. Esse movimento de quebra de fundamentos gera muitas emoções, frequentemente relacionadas à depressão e à ansiedade, já que o jovem pode não encontrar mais um ponto sólido no qual se firmar.

O segundo luto é a perda da criança que se foi. Diante de tantas mudanças e questionamentos, o adolescente já não se reconhece mais como a criança que foi, e isso gera um luto de sua própria identidade. Um fenômeno importante, observado por vários teóricos, é que o sujeito passa a lidar com a ideia da morte e, por isso, sente a necessidade de “testar sua mortalidade”. Muitos adolescentes buscam esportes radicais, experiências de adrenalina, drogas ou até mesmo a autolesão e tentativas de suicídio como formas de sentir a vida e desafiar a morte. A partir dessa morte do eu, vem outro fenômeno muito forte na adolescência que é a busca por sua identidade: eles experimentam diferentes interesses, hobbies ou coletivos que reforçam quem desejam ser.

O terceiro luto é a perda do mundo ao redor. Em uma pesquisa com adolescentes, eles relataram que, na infância, o mundo era colorido, mas na adolescência se tornava cinza e sem cor. [1] Esse é um sentimento comum e decorre, em parte, das duas perdas anteriores. Como consequência, muitos adolescentes buscam novos ambientes ou grupos nos quais possam experimentar um senso de pertencimento. Outros tentam “escapar” dessa realidade por meio de filmes, séries, jogos virtuais ou drogas. Também é frequente terem a sensação de não se encaixar, de ser como um peixe fora d’água, como se o lugar onde estão não fosse o lugar em que deveriam estar.

Agora que entendemos um pouco sobre os lutos e sentimentos vividos pelos adolescentes, podemos buscar respostas bíblicas para esses dilemas. É importante lembrar que estes processos não são conflitos a serem combatidos ou pecados a serem eliminados, mas sim oportunidades e movimentos necessários para que o ser humano compreenda a limitação do Eu, das pessoas e do mundo, e encontre a salvação em Cristo Jesus. Precisamos aprender a enxergar o potencial que a adolescência traz para a compreensão do Evangelho, pois ela é, de certa forma, a história de um filho que se depara com as suas falhas (e as dos outros) e busca algo que o salve dessa situação.

A certeza bíblica que responde à mortalidade paterna é a de que somente Deus é o Pai perfeito e imutável, em quem podemos nos apoiar. Como diz o Salmo 27:10: “Ainda que o meu pai e a minha mãe me abandonem, o Senhor me acolherá”. E também em Deuteronômio 32:4: “Ele é a Rocha, suas obras são perfeitas, e todos os seus caminhos são justos. É Deus fiel, que não comete erros; justo e reto Ele é”.

Já a certeza bíblica que dialoga com a mortalidade do Eu é a de que nossa verdadeira identidade está em Cristo. Sim, outrora fomos puros, feitos à imagem do Pai, mas também somos pecadores necessitados de um Salvador. Em Cristo, porém, não precisamos mais ser definidos pelo pecado, pois pela morte (sim, uma morte como os adolescentes tentam desafiar) de Jesus na cruz, fomos feitos filhos de Deus. É impressionante pensar que talvez todo esse fenômeno psíquico tenha sido colocado por Deus para nos fazer compreender essa verdade. Os adolescentes acreditam que testando a própria morte encontrarão uma nova identidade — e, de certa forma, não estão totalmente errados: é morrendo para o nosso Eu que nos tornamos novas criaturas. Como está em Gálatas 2:20a: “Estou crucificado com Cristo. Assim, já não sou eu quem vive, mas Cristo vive em mim”.

Da mesma forma, a certeza bíblica que dialoga com a mortalidade do mundo é a de que “o mundo jaz no maligno” (1Jo 5:19), mas também temos a esperança de que tudo será redimido e viveremos em novo céu e nova terra. Romanos 8:22 nos lembra disso ao dizer que toda a criação geme como em dores de parto, aguardando a redenção de todas as coisas.

Por fim, quero deixar aqui um encorajamento: sejamos facilitadores desse processo tão desafiador e, ao mesmo tempo, tão recompensador na vida dos adolescentes ao nosso redor. Que possamos compreender e acolher esses sentimentos de luto e seus fenômenos, mas, acima de tudo, oferecer um fundamento verdadeiro e sólido para suas vidas. É disso que eles precisam em meio a tanta insegurança e instabilidade: firmeza e fidelidade.

Uma história bíblica que ilustra bem toda essa reflexão é a de Jó. Podemos vê-lo como alguém que viveu inúmeras perdas e lutos, assim como os adolescentes vivem. E, em meio a suas inquietações e dúvidas, o lembrete de Deus foi sempre o da Sua firmeza e imutabilidade desde a fundação do mundo. Ele é o grande e sólido firmamento ao qual Jó — e os adolescentes, e nós — podemos nos apegar.

Maria Gossenheimer Vichel
TeachBeyond

Casada com Nathanael e mãe de Timóteo, Maria é cristã desde a infância e formada em psicologia pela Unisinos. Ela sempre teve um anseio por missões e hoje atua como missionária da Teachbeyond, na Casa da Paz e como parte da equipe de member care. bem como em sua clínica particular com abordagem psicanalítica. Ela é parceira para compartilhar uma refeição ao redor de uma mesa e fazer uma jogatina!


[1] COSTA, Luiza Cesar Riani et al. Experiências da autolesão não suicida para adolescentes que se autolesionaram: contribuições da teoria psicanalítica Winnicottiana. Texto & Contexto – Enfermagem, Florianópolis, v. 30, e20190382, Epub 10 maio 2021. Disponível em: <https://doi.org/10.1590/1980-265X-TCE-2019-0382>. Acesso em: 18 ago. 2025.

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