Jesus não chamou professores para dar aula…

Quando pensamos em quem realmente faz a diferença em uma sociedade, logo lembramos dos professores. São eles que, com dedicação, ajudam a formar não só o conhecimento, mas também o caráter das novas gerações. Um bom professor não ensina somente conteúdos, mas inspira a pensar e a crescer. O impacto de um mestre vai muito além da sala de aula — ele molda o futuro. E, olhando para a história, poucos exerceram esse papel com tanta maestria quanto Jesus de Nazaré.  

Muitas vezes, Jesus é lembrado apenas como um carpinteiro ou pregador; mas ele foi, acima de tudo, um mestre — um verdadeiro Rabi. Na verdade, é assim que é chamado por quem conviveu com Ele (Mc 9:5; Jo 1:38; 20:16). Para entender a importância desse título, precisamos olhar para o contexto da educação judaica daquela época. A sociedade valorizava muito o ensino e, desde cedo, as crianças eram inseridas em um sistema educacional rigoroso, estruturado e surpreendentemente avançado para o seu tempo.  

O sistema de ensino judaico era muito bem organizado. Não se tratava apenas de decorar textos religiosos, mas de um currículo completo, com etapas bem definidas. Nos primeiros anos, as aulas aconteciam geralmente na sinagoga local, centro da vida comunitária. Ali, as crianças tinham contato com leitura, escrita, valores, história, geografia, ciências (mundo natural, higiene, etc.) e matemática básica, tudo embasado nos textos sagrados. Era um ambiente de aprendizado integral, onde o saber era transmitido de geração em geração.  

A jornada educacional começava no Beit Sefer ou “Casa do Livro”. Era o primeiro nível, onde crianças a partir dos 5 ou 6 anos aprendiam a ler e escrever, usando a Torá como material didático. O ensino era exigente, e a caminhada era desafiadora. De cada mil crianças que ingressavam no Beit Sefer, somente cerca de cem avançavam para o nível seguinte. Muitos, ao concluir o primeiro nível, eram direcionados para um ofício familiar.  

Para os que se destacavam e conseguiam apoio de familiares ou da sociedade local para avançar nos estudos, o Beit Mishná, ou “Casa da Repetição”, representava o segundo estágio. Nesse momento, o aprendizado se aprofundava: os alunos eram desafiados a memorizar e compreender as tradições orais e as leis transmitidas pelos antigos mestres. Aqueles que concluíam esse nível, por volta dos 17 anos, já eram vistos com respeito. Muitos se tornavam professores das crianças, uma espécie de educador do ensino fundamental de hoje. No entanto, a profissão não garantia sustento pleno, sendo comum acumularem outras atividades para complementar a renda.  

O ápice do sistema era o Beit Talmud, a “Casa do Estudo”. Esse era o nível reservado aos poucos que realmente se destacavam. De cada cem que chegavam ao Beit Mishná, apenas um seguia para o Beit Talmud. Aqui, o estudo era profundo e intenso. O aluno, agora chamado de talmid (discípulo), mergulhava em debates e interpretações, buscando não somente aprender, mas compreender e aplicar os ensinamentos. Era nesse ambiente que se formavam os rabinos e os Mestres da Lei, que recebiam o direito de ensinar nas sinagogas, abrir escolas e interpretar a Lei.  

É importante destacar que o acesso era aberto a qualquer pessoa que se destacasse nos estudos, independentemente da origem social ou de gênero. O status de rabi não estava ligado à riqueza. Muitos vinham de famílias humildes, mas, graças ao seu esforço, conquistavam um prestígio imenso. Ser reconhecido como Mestre (rabi) era uma das maiores honras que alguém poderia alcançar, pois significava não só conhecimento, mas também compromisso com a formação do povo.  

Jesus, ao ser chamado de rabi, não era apenas um pregador carismático. Ele havia percorrido esse caminho de estudo e dedicação. Do ponto de vista humano, sua autoridade para ensinar, debater e formar discípulos vinha dessa trajetória. Ele não era um leigo, mas alguém que possuía a “licença” ou “credenciais” da sua época, conquistada com anos de esforço acadêmico. Por isso, podia ensinar nas sinagogas e ser respeitado até por membros do Sinédrio, como Nicodemos (Jo 3:2).  

Contudo, sua missão de ensino não terminou após a vida terrena. Pelo contrário! Jesus universalizou o chamado para formar novos alunos ou discípulos. Em Mateus 28:19-20, Ele deixou claro: “Portanto, vão e façam discípulos (talmid) de todas as nações… ensinando-os a obedecer a tudo o que Eu lhes ordenei”. O objetivo não era apenas criar seguidores religiosos, mas formar pessoas comprometidas com o aprendizado e a vivência de seus ensinamentos, dando continuidade à Escola iniciada por Ele.  

A trajetória de Jesus como mestre nos ensina o valor de investir nas próximas gerações. Educar é um ato de esperança e uma das tarefas mais nobres que existem. Seguindo o exemplo do Mestre de Nazaré, vemos que ensinar com sabedoria e amor pode transformar não só indivíduos, mas toda a história. Seja na escola, em casa ou na comunidade, cada um de nós pode continuar esse legado, mantendo acesa a luz do conhecimento para as gerações que virão.  

Ao olhar para essa trajetória, somos convidados a refletir sobre a nobreza de ser professor. Investir em vidas, como ele fez, é uma missão que exige coragem, paciência e fé no potencial de cada aluno. Formar discípulos — pessoas que aprendem não só conteúdos, mas valores e propósitos cristãos — é um trabalho silencioso, muitas vezes árduo, mas de um impacto incalculável. Que cada educador se inspire no exemplo de Jesus, reconhecendo a importância da própria capacitação e que, ao ensinar com amor, está participando da construção de uma nova geração de aprendizes, multiplicando esperança e luz na escola do maior Mestre que já existiu. Assim, estará cumprindo a Grande Comissão de transformar alunos em homens e mulheres maduros para os desafios neste mundo e, assim, alcançar as nações!   

Leialdo Pulz

É educador e teólogo, com um chamado para a formação integral de uma nova geração de líderes e educadores. Ele é Doutor em Liderança Cristã Global, Mestre em Ciência da Religião e Bacharel e Pós-graduado em História, com especialização em Mundo Antigo e Arqueologia. Com vasta experiência como pastor e missionário (incluindo Rússia), atualmente atua como coordenador acadêmico e professor em diversas instituições teológicas no Brasil e no exterior.

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