Cultivando um Coração Disposto a Servir
Aos 18 anos eu estava indo para o Seminário Teológico para fazer um curso acadêmico de 5 anos para adquirir os conhecimentos necessários para me tornar pastor. Ao chegarmos, vimos na porta do imponente núcleo acadêmico um senhor por volta dos 70 anos, varrendo a calçada do entorno do prédio. Então me aproximei dele e perguntei com certa displicência e, reconheço, com um certo menosprezo arrogante: “Senhor, onde fica a secretaria do Seminário para fazer a matrícula?” Ele calmamente sorriu, e me apontou a direção sem muitas palavras.
Após entregarmos a documentação, a secretária nos mostrou todas as instalações do Seminário. Quando passamos novamente por aquele senhor, que parecia um simples faxineiro, ela disse: “Este é o Sr. David Cox, o fundador e atual reitor do Seminário.”
Apertei sua mão com certo constrangimento, completamente envergonhado, e perguntei: “Mas, por que alguém tão importante como o senhor está varrendo a calçada?”. E ele, com aquela expressão sorridente e calma, disse: “O servo que não serve, não serve. Aqui, somos todos servos, somente temos um único SENHOR.”
Essa foi uma das maiores e mais marcantes lições que aprendi durante todos os meus anos de formação acadêmica. Estudei com doutores (PhDs) da mais alta posição e profundidade acadêmica, passei por matérias complexas, mas quase nada me marcou mais em meus estudos, vida profissional e privada do que o exemplo humilde do seu Davi (como ele é conhecido até hoje pelos alunos). Na verdade, era comum vê-lo com os alunos conversando de igual para igual, pegando papel no chão, ou ajeitando as cadeiras de uma sala que acabara de ser esvaziada.
O exemplo do seu Davi não veio dele mesmo, mas do Mestre dos mestres. Jesus é o Deus que saiu de sua posição Divina para a inferioridade da encarnação e para em uma vida humilde e servil. Ele mesmo ensinou:
“Vocês sabem que os que são considerados líderes neste mundo têm poder sobre o povo, e que os oficiais exercem sua autoridade sobre os súditos. Entre vocês, porém, será diferente. Quem quiser ser o líder entre vocês, que seja servo, e quem quiser ser o primeiro entre vocês, que se torne escravo de todos. Pois nem mesmo o Filho do Homem veio para ser servido, mas para servir e dar sua vida em resgate por muitos” (Marcos 10.42-45, NVT).
Ou seja, a melhor maneira de cultivar uma atitude de servo em outros é através do exemplo de servo. Servir é contagiante, comovente, exemplar e magnético. O próprio apóstolo Paulo destaca isso em suas palavras aos filipenses:
“Tenham a mesma atitude demonstrada por Cristo Jesus. Embora sendo Deus, não considerou que ser igual a Deus fosse algo a que devesse se apegar. Em vez disso, esvaziou a si mesmo; assumiu a posição de escravo e nasceu como ser humano. Quando veio em forma humana, humilhou-se e foi obediente até a morte, e morte de cruz” (Filipenses 2:5-8, NVT).
Em nosso mundo, as pessoas por seus títulos, experiência, cargo ou posição, acabam se distanciando do serviço, passando a desfrutar de regalias, altos salários, salas VIP, e de uma série de pessoas que as servem. Muitas vezes sem perceber, acabam se distanciando não só do serviço, mas do exemplo de Cristo, criando uma cultura de celebridades e privilégios, e a ideia de que o melhor é crescer rápido para deixar de servir logo.
Por que servir é tão importante assim? Os outros “deuses” do mundo antigo eram descritos como distantes do ser humano, vivendo em uma condição elevada, exaltada e inatingível. Essas divindades jamais podiam ser alcançadas e eram impessoais. Viam os seres humanos com total desprezo e partir de uma mente completamente utilitarista, conquistando seu domínio sobre eles pelo medo de seus poderes.
No entanto, desde a criação, o Deus da Bíblia criou o ser humano à Sua imagem e semelhança, compartilhou com ele Sua Soberania, entregando a ele o domínio sobre todas as coisas criadas, dando a ele inclusive a liberdade de ir contra Ele. Além disso, Ele descia todos os dias no jardim para se relacionar e conversar com o ser humano, perguntando sua opinião, como quando Ele permitiu que Adão desse nome aos animais. Mesmo sendo quem Ele era, mesmo diante de toda Sua Grandeza, Glória, Majestade e Soberania, Ele se aproximava e empoderava o ser humano.
Ele não precisava fazer isso. Não há nada em nós ou que possamos oferecer que traga alguma recompensa para Ele por Seu serviço. Deus serve porque esta é Sua natureza trinitária, em que as três pessoas da Trindade se servem mutuamente, em amor, eternamente. Servir é parte do Seu ser. Ele não somente se comporta de maneira servil, este é Seu ser. Nós temos um Deus Servo!
E não é justamente isso o que mais nos atrai nEle? Não é isso que mais nos constrange em querer serví-lO, imitá-lO e segui-lO em tudo o que diz? Sim, um grandioso sim. Abdicar de direitos, regalias e privilégios, em uma postura humilde e servil ao outro, independente de cargos, funções, títulos, classe social, faixa etária, etc. É isso o que mais leva nossos alunos e acampantes a serem próximos de nós, aprenderem com nosso exemplo e a imitarem as nossas atitudes. A maior alegria do servo, é servir. Servir não é o que fazemos, é quem nós somos. Não é algo que se faz, mas o que se é. Tem muito mais a ver com nossa natureza do que com nossas atitudes. Por isso, nossos alunos aprendem muito mais com quem somos e como vivemos o que ensinamos do que com o conteúdo que transmitimos sobre como eles devem ser e viver.
Creuse Santos
TeachBeyond Uruguai
Coordenador de Relacionamento e Apoio às Igrejas
Creuse é pai de família, pastor, teólogo e fazendo Doutorado em Ministério pelo Dallas Theological Seminary. Está em transição para o Uruguai para trabalhar com educação teológica e mentoria de pastores.
Se você quiser se aprofundar no assunto, indico algumas excelentes obras de referência para este artigo:
- SWINDOLL, Charles. Eu, um servo? Você está brincando!. 2ª Ed.. Curitiba, PR: Editora Betânia, 2019.
- WILKES, C. Gene. O Último Degrau da Liderança. São Paulo: Mundo Cristão, 2000.
- MADUREIRA, Jonas. O Custo do Discipulado. São José dos Campos, SP: Editora Fiel, 2020.
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