O  Valor de um Professor Valorizado

O sucesso da educação depende de uma série de fatores que vão da estrutura física da escola até o cumprimento da legislação, da capacidade de gestão da direção até a disciplina dos estudantes, da qualidade da merenda ao acesso à tecnologia, e assim por diante. Tudo isso é importante, mas para o mentor de professores Parker Palmer “nada disso transformará a educação se deixarmos de valorizar — e desafiar — este coração humano que é a fonte do bom ensino.”[1]

Em uma pesquisa de 2018 da Varkey Foundation feita em 35 países sobre como o professor é visto pela sociedade, o Brasil ficou em último lugar, com a nota mínima, atrás de outros países pesquisados da América Latina como a Argentina, Chile, Colômbia e Panamá e do único país africano, a Uganda. Essa avaliação se deve a diversos fatores, entre eles ao fato de que apenas 1/5 dos brasileiros veem a docência como uma profissão nobre e incentivariam seus filhos a serem professores, e apenas 9% da população entende que os alunos respeitam seus mestres. Além disso, os brasileiros via de regra tem uma percepção muito negativa do seu sistema educacional como um todo, atribuindo-lhe a média 4,2 de 10 e ficando em penúltimo lugar neste quesito.[2]

Quando tratei do tema da valorização do professor em uma escola pública, perguntei aos participantes o que faria com que eles se sentissem valorizados. As respostas anônimas e reveladoras estão alistadas abaixo em ordem de maior recorrência:
  • ser mais respeitado pelas famílias e pela sociedade
  • ser reconhecido pelo trabalho realizado
  • ter um espaço mais apropriado para ensinar
  • ser verdadeiramente ouvido e pelos pais e pela direção
  • ser melhor remunerado
O que chama atenção nesta lista é que a remuneração deficitária do professor, embora algo que precisa ser corrigido, tem menos peso no sentimento de valorização do que geralmente se supõe. A única meta do Plano Nacional de Educação (PNE) para valorizar os profissionais do magistério é melhorar o seu rendimento, e nem isso conseguimos realizar.[3]

Uma das conclusões da pesquisa da Varkey Foundation é que “respeitar os professores não é apenas um dever moral importante – é essencial para os resultados educacionais de um país. […] Nossos novos dados sugerem haver uma correlação entre o status concedido aos professores… e os resultados dos alunos em seu país. Em outras palavras, um alto status de professor não é apenas algo ‘bom de se ter’ – aumentar o status de professor pode melhorar diretamente o desempenho dos alunos.”[4]

Quando um educador é verdadeiramente valorizado, muitas coisas boas podem acontecer. Professores valorizados estão mais motivados para dar uma boa aula, “vestem a camisa” da escola e se dedicam mais aos projetos e sucesso dela, e acabam ficando mais tempo na mesma escola, melhorando a sua qualidade. Consequentemente, a escola tende a atrair famílias mais comprometidas com a aprendizagem dos filhos, possibilitando a criação de um círculo virtuoso.

Do ponto de vista cristão, não apenas a educação importa para Deus, mas o próprio professor como pessoa também importa. Ser professor é uma vocação, pois quando nós ensinamos o resultado vai muito além do cumprimento de uma tarefa, do recebimento de um salário ou da satisfação pessoal. Ensinar é um ato de coparticipação dos propósitos de Deus no mundo e um ato de amor ao próximo.

O relato bíblico da criação nos revela que cada ser humano foi criado à imagem de Deus para dar continuidade ao desenvolvimento da criação (Gn 1:26–28). Fomos colocados neste mundo para cultivá-lo e para tomar conta dele de modo que todo o mundo se tornasse um jardim (Gn 2:15). O significado primário de ‘cultivar e tomar conta o jardim’ obviamente tem a ver com agricultura, mas isso pressupõe o desenvolvimento de ferramentas, técnicas de plantio, estudo da melhor época para se plantar determinadas sementes, etc. Por extensão, ‘cultivar e tomar conta o jardim’ se aplica a tudo o que nós seres humanos produzimos, à cultura humana no sentido mais amplo.

Essa tarefa de fazer cultura, cultivando e tomando conta da criação, dificilmente será realizada sem educação e sem você, educador. Educação é o produto cultural que capacita outros a fazerem cultura. E a vocação do educador vai muito além de “passar conteúdo”, pois também envolve cultivarmos nossos alunos para que eles floresçam e cumpram a parte deles de ‘cultivar e tomar conta do jardim’ através da vocação deles.

Existem motivos de sobra para a valorização do professor, mas a prática começa com o próprio educador. O professor precisa saber e demonstrar o valor que tem através de uma boa aula, avaliações justas, respeito aos alunos, relacionamentos saudáveis, etc. As famílias também têm um papel fundamental, dando um voto de confiança ao educador, acompanhando os estudos dos filhos e ensinando-os a serem respeitosos e cordiais. As comunidades cristãs podem criar grupos de apoio para educadores, a fim de encorajá-los, orar por eles e contribuir para a sua formação continuada através de encontros, leituras, e capacitações para equipá-los a exercerem a sua vocação de forma mais cristã possível. Está mais que na hora de “valorizar — e desafiar — este coração humano que é a fonte do bom ensino.”[1]

Raphael A. Haeuser
Coordenador do Didaquê
TeachBeyond Brasil

[1] PALMER, Parker. A Coragem de Ensinar: a vocação, as dificuldades e o potencial transformador de um professor. Ed. Livros de Safra, 2012.

[2] A pesquisa chama-se Global Teacher Status Index (índice global de status do professor) ou simplesmente GTSI. Fonte: https://www.varkeyfoundation.org/what-we-do/research/global-teacher-status-index-2018/. Acesso em 11/10/2022.

[3] A meta 17 do PNE diz: “Valorizar os(as) profissionais do magistério das redes públicas de educação básica de forma a equiparar seu rendimento médio ao dos(as) demais profissionais com escolaridade equivalente, até o final do sexto ano de vigência deste PNE.” Segundo o MEC, estima-se que apenas 76.5% desta meta foi atingida. Fonte: http://simec.mec.gov.br/pde/grafico_pne.php. Acesso em 11/10/2022.

[4] DOLTON, P. et alli. Global Teacher Status Index 2018. London: Varkey Foundation, 2018. Fonte: https://www.varkeyfoundation.org/what-we-do/research/global-teacher-status-index-2018/. Acesso em 11/10/2022.

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