Como a Reforma Protestante impactou a Educação no Brasil
Já falamos sobre como a Reforma Protestante revolucionou a educação. A disseminação de Bíblias em linguagem acessível ao povo foi o estopim para uma grande reforma não só na teologia, mas na sociedade como um todo, com grande ênfase na educação. Mas na história da educação do nosso país, existem indícios que nos permitam ver influências igualmente relevantes do movimento protestante?
Olhando para o Brasil, percebemos que a presença protestante, sobretudo no princípio da colonização, foi mais tímida e enfrentou bastante resistência — o que é natural, considerando a colonização católico-romana.[1] A primeira fase de maior relevância veio com a colonização holandesa no nordeste brasileiro. Ao mesmo tempo em que o espalhamento da igreja holandesa causava admiração, com a expansão concomitante de suas escolas e catequeses, também gerava preocupação, sobretudo por parte dos jesuítas.[2]
Dois séculos mais tarde, a presença calvinista passou a ser sentida com mais intensidade: o presbiterianismo inaugurou seus movimentos com Ashbel Green Simonton em 1859, que introduziu uma forte propaganda protestante. Dom Pedro II, que não era dos mais devotos ao clero, viu nele não um risco ao Estado, mas um potencial fortalecedor da imigração de europeus e norte-americanos protestantes. Dessa forma, através da iniciativa de Simonton, as Sociedades Bíblicas começaram a divulgar e distribuir exemplares de Bíblias pelo país com dada facilidade, repetindo o movimento que a Europa vira no século XVI.[3]
Os presbiterianos focaram não só em construir igrejas, mas também escolas! Em muitas comunidades essas escolas surgiram como iniciativa conjunta entre as igrejas e os pais dos alunos, que inclusive se comprometeram a pagar os professores. Apesar do pioneirismo, não houve exclusividade, e outras frentes protestantes seguiram a proposta. Essa expansão das escolas, sobretudo as de orientação americana, protagonizou a uma lenta quebra do monopólio ideológico do catolicismo romano, sendo acompanhada pela influência ideológica liberal, consonante com o desenvolvimento do capitalismo: o ideal democrático, a liberdade de expressão (livre exame da Bíblia e o sacerdócio universal dos crentes), a ênfase no valor da pessoa (responsabilidade), o estímulo ao trabalho com relevância nos aspectos morais dos indivíduos (honestidade, austeridade, temperança) e a busca do êxito com expressões de racionalidade e eficiência.[4]
Essa iniciativa do século XIX só encontra profundidade no século XX. Com a Proclamação da República e a consequente separação oficial da Igreja com o Estado, os colégios protestantes ganharam mais liberdade de movimento, e grandes escolas seriam fundadas, como o Instituto Mackenzie em São Paulo, o Instituto Granbery em Juiz de Fora, o Instituto Gammon em Minas Gerais, os ginásios Evangélicos da Bahia e de Pernambuco, entre outros.[5]
O grande diferencial nesse formato de educação é que o conceito evangélico de escola americana excluía o proselitismo religioso, oferecendo assim abertura a estudantes de todos os credos. O Colégio não poderia impor a religião, porque isso feriria um dos seus ideais liberais: a liberdade de consciência — e entendia-se que o próprio cristianismo não endossava essa imposição.
É claro que muito se discutiu até que ponto as escolas serviriam de apoio às iniciativas missionárias de forma direta, no entanto, o princípio da liberdade de consciência era considerado igualmente sagrado, pois não era apenas uma força contra o autoritarismo, mas também contra o materialismo. À escola, nesse sentido, caberia formar indivíduos livres e independentes, capazes de contribuir com a sociedade, a despeito de seus credos.[6] Como afirma Osvaldo Hack: “O pioneirismo pedagógico e as inovações didáticas oferecidos como contribuição protestante ao ensino brasileiro são reconhecidos pelos próprios educadores nacionais. A nova pedagogia oferecida era progressista e mais liberal, tendia antes a emancipação do espírito que a uma domesticação intelectual”.[7]
Os desafios na educação brasileira ainda são muitos, mas temos bons exemplos na história que nos inspiram a dar continuidade a essa caminhada. Os reflexos da Reforma felizmente figuram nesse local de destaque como exemplos de excelente contribuição para a educação, tanto no mundo, como mais especificamente aqui no nosso Brasil.
Ticiano Castoldi
TeachBeyond Brasil
Ticiano é graduado em História pela UNIVATES e pós-graduado em Ensino em História e Geografia pelo Centro Universitário Barão de Mauá, ministra aulas no Seminário Teológico de Gramado e coordena o Conversando de Boinas, um ministério de produção de conteúdo e educação informal.
[1] SANTOS, João Marcos Leitão. RELIGIÃO E EDUCAÇÃO: Contribuição Protestante à Educação Brasileira 1860-1911. Revista Tópicos Educacionais, 17, 2007, p. 122. Disponível em: https://periodicos.ufpe.br/revistas/topicoseducacionais/article/view/22448
[2] HACK, Osvaldo Henrique. PROTESTANTISMO E EDUCAÇÃO BRASILEIRA. 2 ed. São Paulo-SP: Editora Cultura Cristã, 2000, p. 15.
[3] ibid., p. 26–27.
[4] RAMALHO, Jether P.PRÁTICA EDUCATIVA E SOCIEDADE. Rio de Janeiro: Zhar Editore, 1976, p.59.
[5] STEWART, C. T. MACKENZIE COLLEGE: ESCOLA AMERICANA: Notas para sua história e organização. São Paulo-SP: s/ed. 1932, p. 23.
[6] HACK, op. cit., p. 73.
[7] ibid., p.182-183.
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