Educar Pra Quê?

(série Propósitos da Educação)

Se um aluno perguntar, ‘Qual é a extensão territorial do Brasil?’, o professor responderá prontamente que  ‘cerca de 8,5 milhões de quilômetros quadrados’. Se o educando perguntar ‘Como é que posso saber que Brasil tem tantos quilômetros quadrados se ele não é quadrado?’, o educador talvez ache a pergunta inusitada, mas explicará o processo matemático que nos leva a esse número. Contudo, se o estudante vier a perguntar ‘Por que eu preciso saber isso?’ é bem possível que não obterá uma resposta satisfatória, ou até mesmo, que seja advertido pelo professor.

Essas três perguntas ilustram o conceito do ‘círculo dourado’ que Simon Sinek apresenta no seu livro Comece Pelo Porquê. Tratam-se, na verdade, de três círculos concêntricos: o quê, como e por quê — de fora para dentro. Ele argumenta que toda organização ou empresa, não importa o seu tamanho, eficiência ou lucratividade, sabe “o quê” ela faz. Muitas ainda sabem “como” fazer o que fazem de modo diferenciado ou melhor que a concorrência. Poucas, porém, sabem “por que” fazem o que fazem, embora isso seja o mais importante. Negligenciar o porquê pode facilmente levar ao fracasso.

É claro que Sinek está falando do mundo corporativo, mas o seu insight é facilmente aplicável à educação. Primeiro, tem a questão do conteúdo. Educadores sabem o que precisam ensinar e os alunos sabem o que precisam estudar. Afinal, isso já está determinado pela BNCC. Depois tem a questão metodológica. É claro que sempre há espaço para melhorar e conhecer novas metodologias, mas via de regra, os educadores sabem como ensinar; mas, ao mesmo tempo, os alunos nem sempre sabem como estudar ou como usar o que aprenderam. Finalmente, tem a questão do propósito, não somente daquela matéria, mas do porquê ensinar, estudar e aprender.

O sociólogo e educador Neil Postman trata dessa questão no seu livro The End of Education (O Fim da Educação), onde ele faz um jogo de palavras com a ambiguidade do termo “fim”. Para ele se a educação não pensar no seu fim ou telos,[1] no sentido da sua finalidade ou propósito, então este será o seu fim, no sentido de terminar ou de perder a sua razão de ser. Então qual é o propósito da educação?

Na pós-modernidade, com mudanças cada vez mais rápidas, é quase impossível estabelecer um telos ou alvo bem definido, a ponto de que existem teóricos da educação que defendem que devemos abandonar todo e qualquer senso de propósito e direção, e não pôr nada no seu lugar. Segundo essa linha de pensamento, educar não tem mais a ver com o desenvolvimento do pensamento crítico ou com a formação do caráter. Educar tem a ver com sobreviver no momento, o que restringe a sua aplicação ao treinamento prático, barato e de curta duração.[2]
Certamente é necessário darmos atenção a esses dilemas, e até mesmo de acompanhar os tempos de alguma forma. Entretanto, ao abrirmos mão de propósitos maiores, estamos adotando algum outro telos ou propósito, ainda que inconscientemente. Segundo, Postman, é impossível a educação não ter um propósito, pois todo modelo educacional possui uma narrativa subjacente, responsável por dar a credibilidade e a energia necessárias para impulsioná-la.

Para a fé cristã, o telos da educação fundamenta-se na narrativa bíblica e é duplo. O primeiro propósito vem da Criação de todas as coisas, que culmina com a formação do ser humano à imagem de Deus para dar continuidade a obra criadora de Deus. Ou seja, educar é ensinar a todas as pessoas, independentemente do seu gênero, etnia ou religião, a desenvolverem artefatos culturais de forma que Deus seja honrado, o próximo beneficiado e a criação preservada.

Infelizmente, sabemos que isso nem sempre acontece devido à presença do pecado, aquela tendência egocêntrica e rebelde, que gera dor, desigualdades, desavenças e sofrimentos em todas as dimensões da experiência humana. O segundo propósito, portanto, vem da Redenção, pois Jesus Cristo veio para restaurar todas as coisas. Ou seja, educar também é promover a justiça e a reconciliação entre seres humanos e Deus, seu próximo e o restante da criação.

A própria constituição brasileira possui um telos ou alvo a ser alcançado. Ela afirma no artigo 205 que

“A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.”

É uma visão menos integral do que a visão cristã delineada acima, porém ainda assim é uma visão digna ser buscada e, se for de fato praticada, é até mesmo revolucionária. Imagine se cada vez que um aluno perguntar “Por que eu preciso saber isso?” ele recebesse uma resposta adequada e encorajadora. Imagine se ele soubesse que cada atividade pedagógica estivesse de alguma forma relacionada a fazer do seu trabalho uma experiência melhor, a fazer da sua comunidade um lugar melhor para viver e, enfim, a fazer dele mesmo uma pessoa melhor. Nos próximos textos vamos abordar como a fé cristã interage com os objetivos educacionais estabelecidos pela constituição brasileira.


Raphael A. Haeuser
Coordenador do Didaquê
TeachBeyond Brasil

[1] Palavra grega que significa ‘fim’, ‘propósito’, ou ‘intenção’, que foi usada pelo filósofo Aristóteles para se referir ao pleno potencial ou propósito inerente ou a razão última de uma determinada pessoa ou coisa.

[2] OXENHAM, Marvin, Higher Education in Liquid Modernity, Routledge International Studies in the Philosophy of Education 30 (New York: Routledge, 2013), 37–51.

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