Por Que os Negócios Importam para Deus?

Ray Kroc, criador da rede McDonald’s como a conhecemos hoje, certa vez escreveu: “Eu acredito em Deus, na família e no McDonald’s – e no escritório, esta ordem é invertida. Se você está correndo os 100 metros rasos, você não está pensando em Deus enquanto corre. Não se você espera vencer. Sua mente está na corrida. Minha corrida é o McDonald’s”. Seu pensamento revela duas percepções comuns. Primeiro, fé e negócios são como água e óleo, não se misturam e, segundo, mesmo que essa mistura fosse possível, a um livro como a Bíblia teria pouco a acrescentar ao mundo empresarial. Exceto, talvez, com um pouco de ética ou motivação pessoal. Fato é que a nossa visão de mundo e sobre o papel que os negócios têm estão baseados, conscientemente ou não, na compreensão de quem nós somos – nossa essência – e para que estamos aqui – nosso propósito.

A Bíblia aborda essas questões na narrativa da criação, localizada nos seus dois capítulos iniciais. Para a fé cristã, a natureza e o propósito do ser humano estão baseados no fato de que fomos criados à imagem de Deus. No mundo antigo, uma imagem ou ídolo era muito mais do que uma representação gráfica de uma divindade, pois trazia em si também a essência de quem representava. Ser imagem de Deus significa que, apesar das nossas limitações, possuímos uma semelhança exclusiva com Deus. Um ser que no relato da criação trabalha, criando e organizando, bem como descansa. Embora o conceito de ser humano como portador da imagem de Deus seja mais amplo, ele certamente inclui trabalhar, exercer criatividade e organizar o mundo.

Além disso, no Antigo Oriente Próximo era por meio de uma imagem que a divindade realizava seus propósitos, o que sugere que o ser humano foi criado por Deus para ser seu representante oficial no mundo. Assim, o humano é mais que um mordomo – como por vezes convencionou-se explicar; ele é um vice-rei que foi posto para “dominar” e “subjugar” a Terra (Gn 1:28), sempre de acordo com os parâmetros estabelecidos pelo Rei, no caso, Deus. Portanto, esse domínio não é opressivo, pois ele explicitamente envolve “cuidar” e “cultivar” o mundo, como se fosse um jardim (Gn 2:15). Pensando assim, uma empresa não é um mero empreendimento humano, mas uma forma de nós executarmos os propósitos de Deus no mundo, se o fizermos do jeito dele.

Empresas têm uma capacidade única de fornecer o que necessitamos para cumprirmos a ordem de “Sejam férteis e multipliquem-se. Encham a Terra!” (Gn 1:28). E uma vez que o empregador ou detentor do capital é também portador da imagem de Deus, empresas precisam igualmente ter a responsabilidade de oferecer trabalho digno e criativo, bem como garantir o devido descanso dos seus colaboradores e o bom cultivo do espaço que as cerca. Seguindo esse raciocínio, Jeff Van Duzer, reitor da Seattle Pacific University, propõe que as empresas têm dois propósitos legítimos e intrínsecos. Externamente, seu propósito é fornecer à comunidade produtos e serviços que estimulam o seu florescimento e melhoram a qualidade de vida de todos. Internamente, seu propósito é fornecer oportunidades para o exercício da vocação e criatividade de todos os seus colaboradores.

A partir desta visão pode-se enumerar algumas implicações práticas:

  1. Trabalhar tem valor intrínseco, e não apenas instrumental. O local de trabalho não obtém seu valor por ser uma possível plataforma evangelística. Os próprios produtos e serviços em si são importantes, pois fazem parte dos propósitos de Deus.
  2. O objetivo de uma empresa deixa de ser o lucro, apenas, e passa a ser servir tanto clientes, como funcionários. O lucro torna-se um meio para promover o bem-estar das pessoas envolvidas
  3. Empresas têm não só a capacidade, como também a responsabilidade de gerar riqueza de forma sustentável e eficiente, a fim de financiar outras instituições necessárias ao florescimento humano, mas que frequentemente são financeiramente deficitárias, por exemplo, escolas e hospitais.

Não se deve ignorar que o mundo corporativo apresenta problemas, mas deve-se crer que a recuperação da esperança e de um senso de propósito são necessárias para inspirar mudanças positivas. Elas podem acontecer, se for contemplada uma visão diferente do mundo empresarial, em que ele é um cooperador de Deus, a ser redimido; em vez de um opressor, a ser demonizado. Isso certamente requer muito, muito trabalho, mas como disse um certo judeu: “meu Pai trabalha até agora, e eu trabalho também” (Jo 5:17).



Raphael A. Haeuser
Coordenador do Didaquê
TeachBeyond Brasil

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  1. […] Antes de mais nada, precisamos salientar que esses mercadores e cambistas estavam prestando um serviço necessário para o funcionamento correto do templo e do sistema sacrificial judaico. Conforme a Lei de Moisés, os judeus que moravam longe de Jerusalém não precisavam trazer um animal do seu rebanho para sacrificar. Como viajar longas distâncias com animais era complicado, os peregrinos podiam trazer dinheiro e adquirir um animal pré-aprovado pelos sacerdotes. Além disso, todos precisavam pagar o imposto anual do templo usando a moeda oficial do santuário (Êx 30:13–16). Fazer o câmbio das moedas estrangeiras era necessário para a aquisição de animais e o pagamento do imposto, portanto o problema não pode estar na prestação de serviços. Ser comerciante, bancário ou empresário são profissões legítimas. […]

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