A Purificação do Templo e o Teu Trabalho

Cada vez mais se fala da relação entre a fé cristã e o trabalho, mesmo assim, no imaginário de muitos cristãos, há uma hierarquia de santidade nas diferentes ocupações. Entendemos o chamado de pastores e missionários, vemos o valor de ser mãe, trabalhando em casa, e dos profissionais humanitários como médicos e professores, mas temos dificuldade em ver empresários, comerciantes e políticos como ocupações que servem a Deus.

Um texto que aparentemente contribui para essa percepção é a Purificação do Templo, ocasião em que Jesus derrubou mesas e cadeiras, expulsando os comerciantes e cambistas que trabalhavam no pátio do templo. Umas interpretações deste texto dão a entender que Jesus estava revoltado porque as pessoas estavam “fazendo negócios” num espaço sagrado, como se a própria atividade comercial fosse algo sujo. Outras veem as práticas materialistas, como o trabalho, como uma distração do que realmente importa: a oração.

Mas e se Jesus não estivesse indignado com os negócios em si? E se a purificação de Jesus tivesse menos a ver com “o que” os eles estavam fazendo e mais com o “como”? E se Jesus não estivesse apenas purificando o templo do seu uso deturpado, mas também estivesse purificando o nosso trabalho diário? (Sugiro que você leia Marcos 11:15–16 antes de continuar.)

Antes de mais nada, precisamos salientar que esses mercadores e cambistas estavam prestando um serviço necessário para o funcionamento correto do templo e do sistema sacrificial judaico. Conforme a Lei de Moisés, os judeus que moravam longe de Jerusalém não precisavam trazer um animal do seu rebanho para sacrificar. Como viajar longas distâncias com animais era complicado, os peregrinos podiam trazer dinheiro e adquirir um animal pré-aprovado pelos sacerdotes. Além disso, todos precisavam pagar o imposto anual do templo usando a moeda oficial do santuário (Êx 30:13–16). Fazer o câmbio das moedas estrangeiras era necessário para a aquisição de animais e o pagamento do imposto, portanto o problema não pode estar na prestação de serviços. Ser comerciante, bancário ou empresário são profissões legítimas.

Então qual é o problema? É bem possível que esses mercadores e cambistas estavam se aproveitando das pessoas, cobrando preços abusivos e oferecendo taxas de câmbio injustas, e que a aristocracia sacerdotal estava mais preocupada em lucrar com as festividades religiosas do que em promover uma espiritualidade sadia. A Bíblia consistentemente se posiciona contra a corrupção, a desonestidade e a exploração, portanto se o seu negócio está envolvido em algo ilegal ou imoral (ainda que permitido por lei), ele precisa ser purificado.

Por mais que isso seja verdade, o texto bíblico, a partir das citações que faz do Antigo Testamento, nos dá razões mais profundas para a indignação de Jesus. Primeiro, Jesus cita o profeta Isaías que afirma que um dia o templo seria uma “casa de oração para todos os povos” (Is 56:1–6). Naquele dia, até mesmo aqueles que não podiam entrar no Templo, como os “estrangeiros” e “eunucos”, seriam bem recebidos desde que amem a Deus e guardem sua aliança. Mas no texto de Marcos, o único lugar do Templo em que os não judeus poderiam orar e adorar — o pátio dos Gentios — havia sido transformado em um bazar, cheio de gritaria, balido de carneiros, e fedor de esterco. O trabalho que existia para viabilizar a adoração, agora competia com ela, ou até mesmo a impossibilitava.

Embora o trabalho tenha sido criado por Deus e ocupe uma fatia considerável da vida humana, ele facilmente pode assumir um espaço indevido nas nossas vidas. Às vezes nos orgulhamos de que “estamos na correria”, e certamente é bom sermos eficientes e produtivos. Mas quando não temos tempo para descansar, estar com família e amigos, nos envolver com a comunidade cristã, ou praticar as disciplinas espirituais, é bem possível que tenhamos transformado nosso trabalho em um ídolo. Quando o trabalho se torna o centro da nossa vida, ele precisa ser purificado.

Além disso, precisamos nos perguntar se a forma de conduzirmos nossos negócios está aproximando ou afastando as pessoas do Evangelho. Estamos desenvolvendo uma reputação de trabalho árduo, seguro e confiável? Ou nossa conduta profissional leva nossos parceiros, clientes e colaboradores a dizerem: “Se seguir Jesus deixa as pessoas assim, eu não quero!” Quando o nosso trabalho se torna um empecilho para que outras pessoas se aproximem de Cristo, ele precisa ser purificado.

Na segunda passagem, Jesus cita o profeta Jeremias que reclama que a casa de Deus havia se tornado um esconderijo de bandidos. Se lermos a pregação toda (Jr. 7:1–15), veremos que o povo estava envolvido com todo tipo de imoralidade e idolatria, incluindo práticas opressivas e injustas no trabalho, mas ainda assim achavam que Deus não os julgaria se frequentassem o Templo. Semelhantemente, muitos cristãos vivem uma total desconexão entre o culto de domingo e as funções que exercem na segunda-feira de manhã. Se vivemos uma vida fragmentada em que Deus não faz parte da nossa atividade profissional, nosso trabalho precisa ser purificado.

Felizmente, o meu e o teu trabalho pode ser purificado. O primeiro passo se dá no nosso coração. Precisamos reconhecer onde erramos e deixar Jesus revirar nossas estruturas de pensamento e expulsar as motivações egoístas do nosso coração. O segundo passo se dá através do compromisso de buscar de forma contínua e intencional que a luz de Cristo transpareça nas nossas práticas profissionais. Há pouco valor em saber que estamos maltratando nossa equipe de trabalho, e continuar tratando as pessoas do mesmo jeito. É preciso priorizar nossa integridade pessoal, criar processos justos e desenvolvermos relacionamentos saudáveis.


Raphael A. Haeuser
Coordenador do Didaquê
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